mais um desses desfocados

Sentiu vontade de voltar.
Voltou, ela deixou ele entrar.
Amou.
Dia seguinte, acordou sem saudades.
Partiu.
Quem sabe ano que vem ele volte.
Se voltar ela abre a porta de novo.
São dessas coisas que não crescem ou evoluem,
simplesmente sobrevivem as desilusões.
Mas no fundo, amam.
Tudo bem o amor existir sem paixão, sem desejo.
É carinho e eles são desamparados.
Enlouquecem.
São negros.
Entendem-se,
Estupram-se.
Frio.
As vezes fica tão gelado.
Será que o sangue corre nessa frieza? Será que pensa?
Reajusta o parafuso na cabeça mas o que quebrou foi a porca.
Ele tira mais uma foto.
Ela congela seu canto e encanto
enquanto o flash paralisa o momento,
o movimento em desencanto.
O instante, click...
"Dentro dos meus braços os abraços hão de ser milhões de abraços,
apertado assim,
colado assim,
calado assim."
Pára.
Deixa cantar.
Quando os olhos voltarem a ver poesia ela vai parar.
Mas os olhos não voltam, eles não conseguem mais olhar pra dentro.

iniciação ao drama

Escancarou na minha cara: 
este não presta, nem esse e nenhum dos outros três. 
Depois me contou sobre meu dom oculto. 
Achei mentira. O descobri.
Se fez de fácil, jogou quatro histórias no lixo. 
Se não fosse, não seria pós moderno. 
O clássico acarreta uma estrutura limiar, portanto, ama.
Mas veja bem:
nenhum amor transgride, 
qualquer amor subverte 
todo amor vende.

desfoque graduado

um deserto de sal. um reflexo. que implica em não vida. 
ele ama, ele é artísta, veicula a fotografia. 
ela vai pra sempre tentar ser poetisa.
recalcula e recompõe. 
ele é quem rouba a cor e imprime em mil posters. 
ela quer ser cantora popular, viver um parto a cada dia. 
ESTRANGULAR.
se imersos numa banheira cheia d'agua, se sufocam. 
Temos o dom - usemos, pós limiar. 
o canto é o grito e a foto o conflito, não podem amar.
no final disto, 
chega um de canto e sussurra para o outro: 
"Faz essa menina parar de brisar".


Palavras não imploram para ser escritas, 
elas se fazem existir numa construção complexa e ordinária, 
quem cria a coreografia é o que copia.
Hoje é um dia inspirado, de alegria. 
Conseguiu se concluir em poesia. 
Despede.

me furta

ele disse que era pra eu apagar todas as luzes, e me deu um copo de suco de frutas artificial de cor radioativa.
quando apaguei tudo, vi o suco brilhando no escuro e com sua luminescência me maquiei num espelho digital, que na verdade, espelhava horizontalmente a imagem que seria um dia a do meu reflexo, e curiosamente, ao mesmo tempo, lançava uma luz forte e azul num canto escuro daquela sala.
eu liguei o ventilador bem, bem forte até meu vestido colorido se mexer esquizofrenicamente, e quando me virei, ele tirou uma foto.
ele tirou uma foto.
ele tirou uma foto em preto e branco,
portanto, de nada adiantaria aquela fotografia como uma lembrança, de um momento tão colorido, diminuido...
eu em preto e branco.
é como se no fundo ele fosse só um ladrão de imagens que capturou um momento qualquer pra colorir da forma que adequar e quantas vezes quiser, hoje ou depois de alguns amanhãs.
depois de toda a minha revolta eu percebi que na verdade, tanto faz, aquele momento na verdade já foi.
pra ele foi um instante em preto e branco,
pra mim, foi um instante barulhento
e de repente uma porta batendo.