uma conversa de banheiro:

- Não aguento mais. Cada dia meu chefe me pede uma coisa nova, amiga, acho que vou surtar!
- Nossa sei bem como é, não dá nem pra se programar, né? No meu último job eu até fazia terapia pela internet...
- Mas você parou?
- Não, arranjei um emprego surreal! Eu faço a mesma coisa todo o dia, é incrivel! É meio... como é que se diz mesmo...?
- Alternativo?
- Rotineiro!

questionamento sobre a fala

e a pergunta que não quer calar:
será que alguma hora a dramatização acaba?

seja a pizzaria seja uma grande empresa
a cada telefonema faz uma voz diferente.
e se não fala é por estar ocupada com o falo.

e você?

todo homem é um abismo
e dá até tontura só de se olhar por dentro.
agora imagina isso em dois.
agora imagina isso em todo o mundo...
agora deu vontade.
saudade...
é mais fácil cair no abismo se está sozinho.

estados imaginários

nos microtempos de ócio entre o fazer de duas ações
invento uma hora ou até três que duram alguns milésimos.
estou junto,
estou quente,
estou completa.
e essa euforia toda não poderia durar mais do que...
alguns milésimos,
não se frustra:
sozinha.
porque se eu de fato estivesse junto,
seria um hora ou até três que duram alguns anos,
supondo,
tentando,
amando,
o conjunto fica se comparando...
estar com e junto frustra.
já nos microtempos de ócio limita-se todo o tempo gerúndio.

escreveré

receber uma luz.
um conjunto de palavras que faz mais sentido do que uma palavra só.
versos conjuntos em estrofes que acendem alma.
que quando no limite entre o abstrato e o real,
quando tentam ser escritos na memória coletiva
vão embora, desaparecem, se desmaterializam,
e fica só aquele sentimento de que por um segundo foi-se completo.

leré

ser racional;
é finalmente perceber o poder ser suicida.

luz ou não

era noite, estava bem escuro,
o mais escuro que o céu de São Paulo consegue estar.
uma luz ao fundo se movia,
como um dead pixel numa tv de plasma ligada em um canal preto.
ele disse que isso acontecia todo dia...
"é só um avião bem longe"

canto do morro

aos pés da cidade...
morro
de baixo da laje...
morro
a casa sem forro...
morro
acaba com o fôlego...
morro
um dia em um sopro...
morro

mas não adianta nem pedir socorro...
morro.
a gente nasceu pra levar esporro...
morro.

é por isso que eu sambo no
morro
é por isso que eu sobrevivo
morro
é por isso que eu canto,
canto,
canto,
canto,
e é num canto do morro....
morro,
morro,
morro.

paredes

PAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDE
PAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDE
PAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDE
PAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDE
PAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDE
PAREDE                                                        PAREDE
PAREDE           PAREDE           PAREDE           PAREDE
PAREDE           PAREDE           PAREDE           PAREDE
PAREDE           PAREDE           PAREDE           PAREDE
PAREDE           PAREDE           PAREDE           PAREDE
PAREDE           PAREDE           PAREDE           PAREDE
PAREDE           PAREDE           PAREDE           PAREDE
PAREDE           PAREDE           PAREDE           PAREDE
PAREDE           PAREDE           PAREDE           PAREDE
PAREDE           PAREDE           PAREDE           PAREDE
PAREDE           PAREDE           PAREDE           PAREDE
PAREDE           PAREDE           PAREDE           PAREDE
PAREDE           PAREDE           PAREDE           PAREDE
PAREDE           PAREDE           PAREDE           PAREDE
PAREDE           PAREDE           PAREDE           PAREDE
PAREDE           PAREDE           PAREDE           PAREDE
PAREDE           PAREDE           PAREDE           PAREDE
PAREDE           PAREDE           PAREDE           PAREDE
PAREDE           PAREDE           PAREDE           PAREDE
PAREDE           PAREDE           PAREDE           PAREDE
PAREDE           PAREDE           PAREDE           PAREDE
PAREDE                                                        PAREDE
PAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDE
PAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDE
PAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDE
PAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDE
PAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDEPAREDE

parede;;;;;;;;;;parede;           ;parede;;;;;;;;;;parede        

é uma palavra horizontal demais pra definir que é alto.
mas concreta o suficiente pra causar claustrofobia.

nem eu sei

são meio dia e meia.
dormi fora, cheguei cedo.
tomei um café, um leite, um suco.
a casa está vazia, então começo o dia.
trabalhar... mas é segunda-feira, não primeira
meu pai chega em casa, abre a porta e cumprimenta:
- O que você acha de nós almoçarmos só um lanchinho?
- Não sei, pai, eu simplesmente não estou com a mínima fome...
- Ah, não tá com fome... e daí? Mas tem que comer, né? Ou não?

conviva

as vezes você me encontra por acaso
me cumprimenta com um beijo
paga as contas, meu cortejo
se despede com um abraço

cogito o por que desse descaso
penso tanto que bocejo
vira as costas, passos largos, sem desejo
e pelo caminho deixa um traço

quando se dá conta do raso
ressurge num lampejo
sente o frio do azulejo
já não domina mais o espaço

calcula a situação, a deriva
sou muito compreensiva
a cabeça imersa na profundidade

quase sem perspectiva
nessa história corrosiva
sente saudade

são brancas

essas mulheres vão e voltam
usam meu corpo como suporte qualquer
a necessidade de exprimir ânsias.
são sempre melancolias,
historias frias, agonias...
quantas maravilhas.
uma rosa vira prosa,
um homem disperso vira verso.
algumas catástrofes, muitas estrofes.
desocupar, recuar, atuar e equalizar.
essas rimas pobres iludem
um tolo a curar a sofreguidão.

guerras frias

uma vez que
você se
resolve
na sua
cabeça,
resolvido
está
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.



click

tentar novas flores


"Escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível.
Fixava vertigens.
Criei todas as festas, todos os triunfos, todos os dramas.
Tentei inventar novas flores, novos astros, novas carnes, novos idiomas."


De alguma forma enfrentar a situação,
Mesmo sabendo que o hábito da torneira é pingar.


A má compreensão de todas as respostas
As longas curvas dessa estrada crua
Todas as paixões amantes narcisistas
Em um disparo conseguem amparo


Quem fez do silêncio a saudades,
Não fez da saudades o encontro.
Quem fez do encontro o momento,
Não teve um momento de silêncio.


Toda essa altura, essa serra, essa espera...
Debaixo das nuvens cinzas o silencio se enterra,
De cima a distancia implora por uma primavera
Espera que volte e revolte.


Enfrentar a situação é encontrar num dilúvio o mar,
Mas o hábito da torneira ainda continua o mesmo.

tirania moderna

o ato de ser autor lhe concede o maior poder de todos
manda e desmanda nos discursos - estilos - sutilezas divinas
fala sobre quem o que quiser sem ter de se importar com o dia
maior regalia que já sonhara ter na vida
fazer nascer ou fazer murchar
delatar toda e qualquer tirania
em um mero conjunto de letras
com uma unica punição:
branco.

Dócil

ela quebrou uma imagem.
uma santa, engessada.
o chão refletia a luz dos postes, chovia.
aquele branco se desfez numa massa
entre as pedrinhas brilhantes da calçada.
a moça, ajoelhada, perturbada.
segurou a coroa de Maria e caiu, espatifada.
veio um homem correndo,
pegou um pedaço de gesso e desenhou seu corpo no chão
"Mulher vadia, acreditava"
ele carregou seu corpo e entrou num galpão
estendeu o corpo em cima duma mesa.
a platéia aplaudia e vibrava.
"Ainda não acabou a peça."

tempos áridos.

a respiração
no movimento,
os olhos turvos,
uma leve tontura.
aguardo as lágrimas
mas elas não saem,
desistiram, secaram.
como um espirro que...
passou
o verão foi embora.
as saudades parecem eternas,
quanto mais velhos, mais distantes
e quanto mais velha, maior é a vontade de ficar.
não sei se egoísta, se dramática, mas algo aqui dentro me impede de ir com eles.
é um sopro na boca do diafragma que eu tento disfarçar com um cigarro atrás do outro.
se ao menos eles se lembrassem de mim, soubessem da falta que me fazem, de como eu preciso deles...
neste momento devo estar embaixo de algum desses papéis, junto com as contas do banco velhas e telegramas amassados.
procuro uma forma de retomar a caminhada.
desisto, seco.